A Justiça e o calote fiscal
Troca-troca de partidos, nepotismo, calote público ou distorção tributária?
Troca-troca de partidos, nepotismo, calote público ou distorção tributária? O Judiciário tem cuidado de todos esses problemas, chamado a agir quando outros Poderes se omitem ou relutam em cumprir suas obrigações. Em agosto, a mais comentada intervenção da Justiça na vida política nacional foi a proibição, por meio de uma súmula vinculante, de contratar parentes até terceiro grau para o serviço público. A ação serviu, nesse caso, para forçar o cumprimento de um preceito constitucional. Muito menos alardeadas têm sido as incursões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) em questões tributárias e fiscais, para corrigir distorções e preservar direitos dos contribuintes e dos cidadãos em geral. Em sua última atuação nessa área, o STJ autorizou uma indústria catarinense a contabilizar créditos não utilizados do ICMS como custos, para reduzir o peso do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Com isso abriu uma porta para milhares de empresas buscarem seus direitos em tribunais. O estoque de créditos não utilizados do ICMS, em todo o País, é estimado entre R$ 15 bilhões e R$ 17 bilhões. A retenção desses créditos é uma notória distorção da política tributária nacional. Muitas indústrias exportadoras não conseguem descontar os créditos fiscais acumulados em operações anteriores ao embarque final da mercadoria. A maioria dos governos estaduais simplesmente se nega a cuidar do problema. O governo paulista permite a transferência de crédito entre empresas para pagamento a fornecedores - uma solução limitada. A dificuldade das empresas para liquidação dos saldos credores de ICMS já ocasionou a transferência de fábricas do Brasil para o exterior. Uma boa reforma tributária poderia pelo menos impedir o agravamento do problema. No entanto, vários projetos de reforma ficaram emperrados no Congresso e ninguém sabe se o mais novo, enviado este ano ao Legislativo, será votado num prazo razoável. Enquanto não se muda o sistema, problemas se acumulam, mas os contribuintes agora dispõem de uma solução indicada pelo Judiciário. É uma resposta estranha, à primeira vista, porque permite compensar com tributos federais (o IR e a CSLL) créditos acumulados contra Tesouros estaduais, mas, para as empresas, é melhor que nada. Também recentemente, a Primeira Turma do STJ permitiu a uma indústria goiana de confecções pagar R$ 100 mil de ICMS com uma parte de um precatório não-alimentar no valor de R$ 48 milhões. O uso de precatórios não-alimentares para pagamento de impostos foi previsto na Emenda Constitucional nº 30, de 2000, mas os ministros do STJ relutavam em aplicar a norma antes de regulamentação pelos Estados. Em boa parte dos casos, precatórios desse tipo correspondem a dívidas originadas de desapropriações. Em relação a precatórios alimentares, correspondentes a débitos salariais e aposentadorias de servidores, a grande novidade tem sido a imposição de multas a Estados por demora nos pagamentos. Credores têm recorrido à Justiça, com sucesso, em busca de indenização por danos morais e materiais. Já houve decisões favoráveis tanto do STJ quanto do STF. O STF poderia ordenar a intervenção nos Estados e nos municípios caloteiros. A solução, no entanto, seria ineficaz em grande número de casos, porque os débitos se acumularam por muitos anos e o interventor não teria como liquidar todo o estoque em pouco tempo. Multas de até 20% foram impostas a governos atrasados no pagamento de precatórios, mas o recebimento dessas indenizações também é duvidoso. De toda forma, é uma pressão a mais para o cumprimento de obrigações financeiras assumidas por Estados e municípios e confirmadas por sentenças de tribunais. Tem-se falado muito em judicialização da vida política brasileira. Talvez se comece a falar de judicialização das questões tributárias e fiscais. O presidente do Senado, Garibaldi Alves, foi realista ao descrever a ação do Judiciário como ocupação de um vácuo legislativo. Poderia ter mencionado também um vácuo administrativo. Quando Legislativo e Executivo falham em questões importantes, como evitar a tentação de chamar o Super-Judiciário?
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